‘Condomínios também sofrem com a cultura do cancelamento’. A princípio, no último dia 17, o jornal Folha de São Paulo, publicou a seguinte matéria (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/07/leia-manifestos-sobre-cultura-do-cancelamento-e-liberdade-de-expressao.shtml):
“Em 7 de julho, mais de 150 artistas, escritores e intelectuais publicaram na Harper’s Magazine uma carta aberta contra “o clima de intolerância que se instalou por todos os lados”, ecoando as críticas à chamada cultura do cancelamento, conjunto de táticas de boicote e exposição pública a pessoas e organizações que expressam posições considerados inapropriadas.
Entre os signatários de “Uma carta sobre justiça e debate aberto” estão o linguista Noam Chomsky, os escritores J.K. Rowling, Salman Rushdie, Andrew Solomon e Margaret Atwood, a ativista feminista Gloria Steinem, o trompetista Wynton Marsalis e o cientista político Yascha Mounk, colunista da Folha.”
O que é a cultura do cancelamento
Antes de mais nada, a cultura do cancelamento é o “conjunto de táticas de boicote e exposição pública a pessoas e organizações que expressam posições considerados inapropriadas”, li com inusitado interesse, já que o assunto para mim é de certa forma, novo. E, levou-me a seguinte reflexão:
Quantas vezes, já presenciamos gestos e práticas como estas nos Condomínios?
Além disso, desde a época da recente polarização política que nosso País viveu, as pessoas vêm-se mostrando menos tolerante a opiniões e práticas contrárias e fazendo questão de demonstrar isso, seja através das redes sociais ou em reuniões presenciais.
Bem como, perdi as contas das assembleias e reuniões de condôminos que participei em que os grupos antagônicos de situação e oposição alcunhavam-se reciprocamente de “bolsominions” e “petralhas” e, por aí ia, chegando em casos extremos as vias de fato, infelizmente.
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As expressões no ambiente virtual
Acresce que, com a pandemia do Coronavirus onde as relações estão ainda em uma fase majoritariamente virtual, parece-nos que a belicosidade e beligerância à distância, atingiu seu ápice, ainda mais, não tendo que encarar cara-a-cara o desafeto.
Por outro lado, pensar diferente da opinião da maioria e expressar isso, passou a ser atitude de risco considerável, ainda que virtual.
Ainda mais, a cultura do cancelamento exclui indivíduos ou veículos de mídia que ousam, tornar pública uma opinião diversa ou abordar assuntos tidos como sensíveis, como preconceito racial, política, LGBTQW+, de forma dissonante da grande massa ou do que se tem hoje, como politicamente correto.
A questão é, quem define o que é correto? Correto para quem?
De fato, o comportamento é mais grave ainda, o pensamento de “manada” faz com que pensar daquela mesma forma seja o correto?
Assim, Nelson Rodrigues já dizia que a “unanimidade é burra” e que, se pensamentos como todo mundo, não precisamos pensar, simples assim.
Isto é, nas reuniões e assembleias de condomínios, aquele que ousa colocar-se contrário a opinião da maioria, muitas vezes é desrespeitado, ironizado, achincalhado e, como já dito antes até agredido fisicamente. Homens e mulheres.
A polêmicas manifestações nas assembleias
Em outras palavras, é sabido que a época das assembleias, principalmente as ordinárias, onde irá se aprovar a prestação de contas de dada gestão e reeleger ou eleger um novo síndico, essa polarização do que é certo e errado, de quem é do grupo da situação e da oposição agiganta-se e os covardes, escondidos na manada da maioria, agridem de forma imensurável as poucas vozes dissonantes, articulando já antes da assembleia dos grupos de comunicação instantânea, a estratégia para anular, a pessoa ou grupo delas quando da reunião.
A saber, no mundo virtual que nos está sendo imposto, essa prática ganhou novos contornos, esquecendo os detratores que não somos um mero Avatar de nós mesmos, mas, pessoas de carne e osso, detentores de dignidade, honra e respeito.
Em suma, aliás, como assegurado pela Constituição Federal da República (umas da poucas do mundo em que isso está escrito, não deveriam estes valores morais e éticos serem intrínsecos em cada cidadão?).
Logo, nos grupos de comunicação instantânea dos Condomínios (oficiais ou paralelos), a opinião e atitudes contrárias ao interesse de uma maioria é visto com a mesma ironia, reserva e acidez. Sendo o indivíduo muitas vezes simplesmente excluído do grupo pelo Administrador, sem qualquer explicação ou direito a defesa.
Em suma, o debate, o direito de manifestação, a livre opinião faz parte do processo democrático e dos princípios basilares desta sociedade que se diz liberal. A oposição de ideias é salutar até para fortificar a posição defendida. Parece-nos lógico.
Quando o silêncio de uns prejudica outros
Desa forma, quando silenciamos, cancelamos, o direito de opinião contrária de alguém ou de dado meio de mídia, estamos na verdade, silenciando o argumento que pode, em tese, desconstruir tudo aquilo que acreditamos e defendemos, porém, ainda assim, o silenciado tem o direito de fazê-lo.
Em conclusão, a carta mencionada no início desse texto foi refutada por outra, igualmente retumbante (basta ler o link da matéria até o final), onde os signatários, alegam que a tese defendida pelos primeiros nada mais é do que um ato desesperado de manter-se no poder e de elitizar, como sempre foi feito, o chamado “pensamento intelectual” daquela sociedade, privilégio que precisa e está sendo revisto.
Ainda que através da cultura do cancelamento, que seria o direito de quem lê ou vê determinado gesto, ter o direito de silenciá-lo, se lhe for conveniente, pelo menos em nível pessoal. E que isso é ser democrático.
Definitivamente, defendo o direito destas pessoas assim manifestarem-se, por óbvio, porém, ainda que discorde do ponto de vista, jamais os “cancelaria” por simplesmente não concordar.
Portanto, como dito na matéria, a prática do cancelamento é uma censura sem ditador, é cercear o direito de manifestação reduzindo palavras como democracia e liberalismo a meros substantivos feminino e masculino, respectivamente. Pense nisso.
Dr. Alexandre Augusto Ferreira Macedo Marques
Advogado, consultor e professor na área de direito condominial, mestrando pela FADISP, coordenador do curso de direito e gestão condominial da FAAP-SP, membro da coordenadoria de direito condominial da OABSP e da Comissão de Direito Condominial do IBRADIM, conferencista da OABSP e da AASP, autor do livro: legislação condominial aplicação prática (editora Educamais) e coautor do audiolivro: tudo o que você precisa ouvir sobre locação, editora Saraiva. Colunista do site Sindiconet e do programa tarde nacional na rádio nacional do RJ. Sócio da Alexandre Marques Sociedade de Advogados.