‘O que fazer quando famílias inteiras passam mais tempo dentro das unidades condominiais’?

Antes de mais nada, o direito de vizinhança e o isolamento social é um tema que deve ser abordado, pois com a pandemia muitas famílias estão ficando em casa, em tempo integral, e o longo convívio tem provocado mais discussões, brigas e desentendimentos. Além disso, as pessoas estão buscando diversão em suas próprias casas, muitas vezes passando dos limites do horário, com barulhos que incomodam outros vizinhos, com festas regada a bebidas e gargalhadas altas.

Sendo assim, diante desse problema que assola a maior parte dos condomínios do país, quais atitudes poderão ser tomadas? O síndico pode fazer alguma coisa? Houve alguma modificação no direito de vizinhança por conta da pandemia?

Outrossim, o direito de vizinhança é um conjunto de regramentos que possuem, como principal objetivo, garantir a coexistência social, ou seja, trata-se de um conjunto de normas com a finalidade de estabelecer um limite de conduta, que permita a boa convivência entre moradores de imóveis localizados próximos uns dos outros.

_________________________________________________________________________________________________________________

Talvez você tenha interesse:

_________________________________________________________________________________________________________________

Direito de vizinhança X direito de propriedade

Além disso, tecnicamente, fala-se que o direito de vizinhança constitui limitação ao direito de propriedade em prol do bem comum e da paz social.

Assim, tanto apartamentos vizinhos, quanto imóveis vizinhos, são amparados pelo direito de vizinhança. O critério é a proximidade e não a continuidade. Portanto, mesmo que aquele não seja vizinho de parede, pode ser prejudicado pelo mau uso da propriedade próxima.

Ainda por cima, o regramento mais importante consta no art. 1.277 do Código Civil que prevê em seu caput:

  • O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam provocadas pela utilização de propriedade vizinha.


Afinal, o aludido artigo regula o uso anormal da propriedade. Quais são as conclusões que se tira em relação ao artigo?

Dessa forma, não só o proprietário é protegido, mas também o locatário, usufrutuário e o comodatário. Ou seja, o possuidor também é protegido pelas normas de direito de vizinhança;

Nesse sentido, as normas do direito de vizinhança garantem a proteção à segurança, ao sossego e à saúde dos moradores dos imóveis contínuos e vizinhos.

Em síntese, o direito de vizinhança é um conjunto de normas amplas, com abrangência desde o direito de construir, até as ditas árvores limítrofes, mas esses são assuntos para um outro momento.

Quando o sossego, saúde e segurança estão em risco

Por agora, convém explanar os direitos de vizinhança por conta do mau uso da propriedade ou da posse do imóvel que provoque perturbação, retire o sossego e coloque em risco a saúde e a segurança dos vizinhos, já que por conta da pandemia as famílias estão integralmente em suas casas, inclusive as crianças que estão afastadas das escolas.

Em conclusão, é necessário identificar quais são os atos praticados pelo vizinho que configure abuso de direito. A verificação é casuística e abrange vários aspectos, tais como:

  • Emissão de gases poluentes o qual prejudica a saúde dos vizinhos;
  • Infiltrações no imóvel que afete o imóvel vizinho, colocando em risco a saúde e a segurança daqueles que ali residem;
  • Ruídos excessivos, talvez o que tem provocado mais perturbação entre vizinhos nesse período de pandemia.

  • Sendo assim, verifica-se que as perturbações podem ser sonoras, olfativas, comportamentais etc.

Algumas interferências que provocam abusos

Logo, a medida prevista na lei para fazer cessar essas interferências prejudiciais, que provocam abuso de direito, é a chamada ação de dano infecto.

Daí, vale transcrever um trecho do que diz Luiz Antonio Scavone Junior1 a respeito das causas de cabimento da ação de dano infecto:

  • Odores insuportáveis, gases perigosos, ruídos excessivos, comportamentos que atentem contra a moral e os bons costumes e manutenção de animais em local impróprio e inadequado são exemplos de fatos que podem ensejar a ação do dano infecto.

Casos que já foram param a justiça

Por isso, abaixo alguns exemplos que já deram ensejo à ação judicial de dano infecto, em razão de mau uso da propriedade:

  • Presença de animais em apartamentos sem condições de higiene;
  • Produtos tóxicos utilizados em serviços de lavagem de veículo nocivos à saúde dos vizinhos;
  • Esterqueira construída em imóvel rural sem observância dos requisitos de higiene, dejetos expostos permanentemente que ocasiona a poluição do meio ambiente;
  • Ação movida pelo condomínio em face das lojas do térreo por conta de insuficiência dos mecanismos destinados à exaustão da fumaça e gases da gordura e também ao esgotamento das pias;
  • Produção de ruídos excessivos e prejudiciais à saúde dos vizinhos;
    Desnivelamento de terreno provocado por erosão que já causou desbarrancamento, afetando o imóvel vizinho;
  • Exalação de vapores oriundos de sauna e churrasqueira.

Ações internas do síndico e condôminos que podem ajudar

A saber, no caso específico em relação aos condomínios, o art. 1.336, IV, do Código Civil estabelece:

IV- dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Isto é, como é possível verificar, apesar do referido artigo se referir aos condomínios, ele guarda estreita relação com as normas de direito de vizinhança e ao já citado art. 1.277 do Código Civil.

Ou seja, também nos condomínios edilícios proprietários e possuidores deverão respeitar o sossego, à saúde (salubridade) e segurança de todos. Portanto, no caso dos condomínios, orienta-se que condôminos e síndicos deverão tomar primeiramente medidas extrajudiciais, priorizando o diálogo, tais como:

  1. Interfonar para portaria e pedir que o porteiro comunique o incômodo ao condômino perturbador, caso não resolva;
  2. Registrar no livro de ocorrências do condomínio, comunicar ao síndico e a administradora. O síndico verificando que existe mais reclamações acerca do mesmo problema com o mesmo condômino pode notificar o condômino para tentar resolver da forma mais drástica;
  3. Ainda persistindo o problema, poderá chamar a polícia, uma vez que perturbar o sossego com barulho excessivo configura crime regulado pelo art. 42 da Lei de Contravenção Penal;
  4. Pode o condômino prejudicado ou o próprio condomínio, se o incômodo provocado for comum a todos, poderá ajuizar ação de dano infecto em face do condômino perturbador.

Situações isoladas podem ser resolvidas com bom senso

Em outras palavras, ressalte-se que a situação atual provocada pela pandemia é atípica, e por conta disso, as famílias estão trancadas em suas casas, muitas das vezes os pais trabalhando em sistema de home office e as crianças assistindo aulas online.

Então, esse convívio contínuo muita das vezes causa desentendimentos, brigas, gritarias ou até mesmo a agitação das crianças, correndo de um lado para o outro, brincando, tentando extravasar energias contidas e animais agitados por conta das residências cheias.

Nesse momento, o mais indicado é que vizinhos tenham paciência uns com os outros e priorizem sempre a conversa e o bom senso para evitar conflitos desnecessários.

Naturalmente, se o comportamento de um vizinho foge à normalidade, provocando a perturbação do condomínio como um todo, medidas deverão ser tomadas, primeiramente extrajudiciais e, em último caso, medida judicial, conforme já explicitado acima.


Maiores informações: contato@direitocomnatalialima.com.br

Dra. Natalia Lima, advogada Direito Imobiliário e Sucessório