Enchentes, ciclones, ondas de calor extremo e prejuízos econômicos. O aquecimento global deixou de ser uma preocupação distante e já impacta diretamente a vida das pessoas, especialmente nos centros urbanos.

Em entrevista, a arquiteta e pesquisadora Sheila Mattar apresentou os principais pontos de sua dissertação de mestrado, que analisa a relação entre mudanças climáticas, construção civil e gestão de resíduos, com foco em Balneário Camboriú (SC).

Conhecida por sua atuação em acessibilidade, Sheila agora amplia o debate ao trazer dados técnicos e alertas urgentes sobre o papel das cidades e dos condomínios na emissão de gases de efeito estufa.

O que é o aquecimento global e por que ele afeta diretamente as cidades?

O aquecimento global ocorre pelo aumento excessivo de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂) e o metano, na atmosfera. Porém, segundo Sheila, esses gases sempre existiram em equilíbrio natural, permitindo a vida no planeta.

“Sem a interferência humana, esses gases vivem em equilíbrio. O problema começou com a Revolução Industrial e a queima de combustíveis fósseis, que romperam esse equilíbrio”, explica.

Dessa forma, o CO₂, principal vilão desse processo, pode permanecer por séculos na atmosfera, intensificando o aumento da temperatura média do planeta.

2023, 2024 e 2025: os anos mais quentes da história

Dados científicos mostram que o limite seguro de concentração de CO₂ na atmosfera seria de 350 ppm (partes por milhão). Esse número foi ultrapassado em 2005. Desde então, os recordes de calor vêm sendo quebrados ano após ano.

“2023 foi o ano mais quente da história. 2024 conseguiu ser pior, e 2025 já superou 2024. Isso explica eventos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul, os ciclones no Sul e os alagamentos recorrentes em Santa Catarina”, alerta Sheila.

Pequenas em território, gigantes em impacto ambiental

Apesar de ocuparem apenas 2 a 3% da superfície do planeta, as cidades são responsáveis por cerca de 70% das emissões globais de CO₂ e consomem 75% dos recursos naturais.

Segundo a pesquisadora, isso ocorre por fatores como:

  • Impermeabilização do solo
  • Retirada de vegetação nativa
  • Uso excessivo de concreto, vidro e aço
  • Transporte e logística
  • Alto consumo de energia

“Tudo o que foi emitido pelas gerações passadas ainda está na atmosfera. Nós estamos apenas acelerando um processo que já é grave”, afirma.

O foco do estudo em Balneário Camboriú

A dissertação de Sheila analisou 13 anos de dados (2010 a 2022) sobre obras acima de 5 mil metros quadrados em Balneário Camboriú, uma das cidades com maior verticalização da América Latina.

Por fim, o estudo avaliou a emissão estimada de CO₂ gerada pelo transporte e destinação dos resíduos da construção civil, especialmente os resíduos de Classe A (entulho).

“Não existem dados oficiais consolidados nem no município, nem no Estado, nem no Brasil. Tive que trabalhar com estimativas a partir de dados do CREA, analisando mais de 23 mil registros”, relata.

Vidro, concreto e calor

Sheila faz um alerta direto sobre o modelo construtivo adotado no Brasil, especialmente em cidades litorâneas.

“O clima brasileiro não é adequado para prédios totalmente envidraçados. Isso aumenta o calor interno, força o uso de ar-condicionado e agrava ainda mais o problema climático.”

Estudos citados na pesquisa mostram que, em Balneário Camboriú, a diferença de temperatura entre regiões da cidade pode chegar a 4 °C, influenciada pela verticalização, falta de áreas verdes e impermeabilização do solo.

Refugiados climáticos já são realidade no Brasil

As mudanças climáticas também têm impacto social direto. Enchentes recorrentes e eventos extremos já forçam famílias a abandonarem suas casas.

“Quando uma pessoa precisa sair do seu local de origem por causa do clima, ela se torna um refugiado climático. Isso já acontece no Brasil”, destaca.

Qual é o custo real do aquecimento global?

O custo vai muito além do financeiro. Ele atinge a saúde, a cultura, a economia e a qualidade de vida.

“Estamos mexendo na cultura das pessoas. Ou seja, quando alguém deixa de tomar um chimarrão ou um tacacá por causa do calor insuportável, isso é muito grave”, exemplifica Sheila.

Além disso, há prejuízos com:

  • Perda de imóveis
  • Interrupção da economia local
  • Gastos públicos com emergências
  • Adoecimento da população

“É um custo caríssimo, que recai sobre todos nós”, resume.

O papel dos condomínios e síndicos no enfrentamento climático

Por fim, Sheila reforça que síndicos, construtores e moradores têm um papel fundamental na mitigação dos impactos ambientais.

Entre as recomendações estão:

  • Verificar a destinação correta das caçambas de entulho
  • Priorizar materiais duráveis e projetos bem planejados
  • Evitar reformas frequentes motivadas apenas por estética
  • Buscar projetos que valorizem ventilação natural e áreas verdes

“Saber para onde vai o resíduo da sua obra já é um grande passo. A consciência começa nas pequenas decisões”, orienta.

Leis, cartilhas e conscientização

Então, como produto final do mestrado, Sheila desenvolveu um relatório técnico que será apresentado a vereadores, com o objetivo de contribuir para a criação de leis mais rígidas de controle e rastreamento de resíduos da construção civil.

Além disso, está sendo elaborada uma cartilha educativa voltada a condomínios e moradores.

“A ideia é que as pessoas saibam quanto resíduo uma reforma gera, quantas caçambas são necessárias e para onde elas vão. Informação gera responsabilidade”, conclui.

Em conclusão, o debate sobre aquecimento global não é mais futuro, é presente. E passa assim, necessariamente, pelas decisões que tomamos nas cidades onde vivemos.

Lanume Weiss
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